sábado, 3 de abril de 2010

“Toda caminhada começa com um passo”

 

Capítulo II

Utilizar a literatura, notadamente a poesia, como fator de humanização e de resgate de valores, foi a estratégia que escolhi, por afinidade.

Última aula do dia, 5ª série “A” - primeira sala que se avista depois de subir o primeiro lance de escadas e virar à direita -, EMEF Padre Antônio Vieira, ano de 2002. Alunos alvoroçados, à espera do meu cumprimento habitual à porta, antes  da entrega do “Não custa nada”. 

O “Não custa nada” era uma coleção de mensagens que começavam sempre com essa mesma frase, que eu entregava  no início das aulas, antes de fazer a chamada. Depois perguntava se alguém gostaria de comentar  sobre o que estava escrito no cartãozinho. Assim começávamos todas as aulas de Língua Portuguesa,  propiciando uma reflexão e uma conversa sobre as frases que cada um tinha recebido. Lembro-me   ainda de algumas dessas mensagens:

“Não custa nada ser notado pelo certo

e não pelo errado”

“Não custa nada acreditar

que há valores que não mudam

por mais que tudo mude”

“Não custa nada acreditar

que você pode ser um vencedor

                     (…)

Naquele dia, porém, a rotina fora propositadamente  alterada. Entrei na sala declamando o poema “A Serra do Rola Moça”, de Mário de Andrade, depois de haver treinado por um mês, para fazer bonito. Lembro-me que por duas ou três vezes, nesse período, chegara até  a  “perder” o ponto de descida da lotação, indo para a escola ou voltando para casa, porque estava entretida, memorizando o texto.

Enquanto eu declamava,  fui percebendo que  os alunos  iam se aquietando,  pouco a pouco, chegando a demonstrar, pela expressão do rosto, a emoção que a leitura dramática da narrativa lhes causava.

Sentimentos aflorados, curiosidade despertada.

O silêncio reinava na sala agora  como se fosse a primeira aula do dia e não a última. Nenhum vestígio do alvoroço inicial.Vibrei por dentro. Parecia que estava dando certo. E estava!

Ao final da apresentação,  estava convicta de que havia dado o primeiro passo para uma mudança significativa, embora, nem sonhasse ainda com a formação de uma academia estudantil de letras na escola, o que acabou acontecendo a partir dessa e de outras experiências que se seguiram.

Serra do Rola Moça

Mário de Andrade

A Serra do Rola Moça
Não tinha esse nome não
Eles eram do outro lado
Vieram na vila casar
E atravessaram a serra
O noivo com a noiva dele
Cada qual no seu cavalo
Antes que chegasse a noite
Se lembraram de voltar
Disseram adeus pra todos
E puseram-se de novo
Pelos atalhos da serra
Cada qual no seu cavalo
E a Serra do Rola Moça
Não tinha esse nome não
Os dois estavam felizes
Na altura tudo era paz
Pelos caminhos estreitos
Ela na frente, ele atrás
E riam, como eles riam
Riam até sem razão
A Serra do Rola Moça
Não tinha esse nome não
As tribos rubras da tarde
Rapidamente fugiam
E apressadas se escondiam
Lá embaixo nos socavões
Temendo a noite que vinha
Porém os dois continuavam
Cada qual no seu cavalo
E riam, como eles riam
E os risos também casavam
Com as pisadas dos cascalhos
Que pulando levianinhos
Da vereda se soltavam
Buscando despenhadeiro
A Serra do Rola Moça
Não tinha esse nome não
Ah! fortuna inviolável
O casco pisara em falso
Dão noiva e cavalo um salto
Precipitados no abismo
Nem um baque se escutou
Fez-se um silêncio de morte
Na altura tudo era paz
Chicoteando o seu cavalo
No vão do despenhadeiro
O noivo se despenhou
E a Serra do Rola Moça
Rola Moça se chamou

 

Um comentário: